A quituteira Isolina dos Santos completará no próximo mês 101 anos de idade. Longa é a trajetória de sua vida que se mesclou ao trabalho de manusear panelas de barro, tachos de cobre, colheres de pau e fogões antes mesmo de serem movidos a gás. De suas pequenas e habilidosas mãos saíram milhares de quitutes, bolos de noiva, almoços e jantares em muitas mansões quando a cafeicultura ainda mantinha seus barões. Isolina nasceu em Espírito Santo do Pinhal, interior paulista, e foi criada em Lambari, cidade mineira. Ela faz parte de uma família que carrega um passado vergonhoso do país: é filha de ex-escravos (uma das irmãs — tinha seis irmãos, todos falecidos — foi beneficiada pela lei do ventre livre, de 1871, que declarava libertos os filhos nascidos de mulher escrava). Liberdade é o que Isolina sempre mais prezou. Caçula e um tanto rebelde para o século 20, que entrava em sua segunda década, tinha apenas 15 anos quando resolveu se mudar para São Paulo à procura de trabalho. “Foi uma ousadia”, diz.
Na capital, contou com a ajuda da irmã, Maria Antônia, já estabelecida e que lhe arranjou um emprego de auxiliar de cozinheira. A partir daí, vovó Isolina, assim chamada pelos familiares e amigos, teve a oportunidade de aprimorar o que mais sabia fazer. Naquela época não havia muitos modismos na culinária. “Doce era doce e salgado era salgado”, conta. Trabalhou para três famílias e depois, nos anos 30, resolveu abrir o próprio negócio: uma pensão instalada no bairro da Aclimação.
REGALO Todo santo dia acordava às 4 horas da madrugada para arrumar os preparativos, pois o freezer não dava sinais de que viria a existir. Cozinhava 30 quilos de feijão e descascava uma saca de batatas por dia. No período da Segunda Guerra, contava com a cumplicidade do amigo da venda que lhe guardava farinha de trigo, do dono do açougue que reservava os muitos quilos de carne e da força de sua única filha, Neide. Como se não bastasse o trabalho de servir refeições, aceitava encomendas para festas de aniversário e casamento. Foi aí que suas empadinhas feitas com banha de porco ganharam fama. Isolina mal acabava de atender um pedido e já começava outro. Até hoje, quando tem aniversário na família, as tais empadinhas — agora feitas por Neide — se tornaram o regalo que todo aniversariante aguarda. “Podem implorar, mas não ofereço aos meus convidados”, comenta a sobrinha Irene dos Santos, recém-presenteada.
BOA VONTADE Quem sempre passou bem nas mãos de Isolina foram os quatro filhos de Neide. A avó, que cuidava dos meninos enquanto a filha trabalhava fora, não deixava os netos brincarem na rua, porém, em compensação, eles sabiam que sempre havia uma rosca de frutas pronta para o café da tarde assim que voltassem da escola. Quando dona Isolina fez 100 anos, no ano passado, a família (filha, quatro netos, sete bisnetos e um trineto), sobrinhos de várias gerações e muitos amigos se reuniram numa chácara para a comemoração. Ágil como ela só, não queria perder nada da festa. Quando alguém a chamava para se recolher um pouco, logo respondia: “Descansar pra quê?”. Atualmente, ela não cozinha mais. É certo que às vezes teima em fazer um arroz, uma carne, maneira que encontra de não se sentir ociosa. Aceitou oferecer aos leitores a receita da famosa empadinha e também da rosca de frutas. Mas avisa logo de imediato: “Dá um pouco de trabalho, pois são de uma época em que as pessoas tinham boa vontade para cozinhar"
ROSCA DA VOVÓ
2 unidades)
INGREDIENTES
Massa
1 kg de farinha de trigo
100 g de manteiga*
2 tabletes de fermento biológico
2 colheres (sopa) de açúcar**
1 colher (sopa) rasa de sal
3 ovos
Leite
Gema de ovo para pincelar
Recheio
Frutas cristalizadas ou frutas secas (damasco, uva passa, ameixa ou nozes)
COMO FAZER
Massa
Em primeiro lugar, desmanche o fermento em uma xícara (chá) de leite. Feito isso, misture-o aos ingredientes previamente colocados em uma vasilha e amasse com as mãos. Aos poucos, adicione um pouco mais de leite até obter o ponto: tem que desgrudar das mãos, porém, não pode ficar dura. Transfira para um recipiente e cubra com um pano de algodão até crescer ou dobrar de tamanho. Feito isso, divida a massa em seis partes . Abra cada uma delas com um rolo numa superfície lisa, acrescente as frutas e depois enrole-as.
Use três pedaços desses rolinhos para fazer as tranças. Coloque-as em uma fôrma untada e pincele com gema de ovo. Leve para assar em forno pré-aquecido e moderado (170ºC) por 30 minutos, em média.
* Pode ser substituída por uma xícara (chá) de óleo; **Aumente a quantidade de açúcar se preferir a massa mais adocicada
EMPADINHAS
(25 unidades grandes)
INGREDIENTES
Massa
500 g de farinha de trigo
2 ovos
1/4 de banha de porco
Sal a gosto
Gema de ovo para pincelar
Recheio
500 g de camarão médio
Farinha de trigo
Leite
Cebola
Salsinha
Sal
COMO FAZER
Massa
Misture numa vasilha os ovos, a banha e o sal. Acrescente a farinha aos poucos e amasse bem com as mãos até obter o ponto. A massa não fica dura, mas “esfarelenta” e gordurosa. Coloque-a em forminhas próprias para empadinhas, acrescente o recheio bem frio e tampe-as com o que restou da massa. Pincele com gema de ovo batida e leve para assar no forno pré-aquecido e forte (200ºC) por 20 minutos. Recheio
Esquente um pouco de óleo numa panela e refogue a cebola. Acrescente o camarão, o sal e deixe cozinhar. Depois salpique a salsinha e, por último, coloque um pouco de leite, farinha de trigo e mexa para o recheio ficar com uma consistência mais firme.
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